DAS PEDRAS PARA A CAATINGA.
Pilão Arcado – Município brasileiro do estado da Bahia, com uma área territorial de 12.127Km2. Portanto, metade do estado do Sergipe. De acordo com o senso 2010 tem uma população estimada em 32.815 habitantes. Pela tradição sua denominação está ligada uma lenda de pescadores que encontraram um pilão de pedra, com formado de curva em arco na margem esquerda do rio São Francisco. O referido pilão encontrado era utilizado pelos pescadores para pilar o sal grosso utilizado na conservação de pescados. Até certos tempos Pilão Arcado para muitos era o fim do mundo, hoje já está bem conhecido. Nossa área territorial limita-se com Remanso - BA. Campo Alegre de Lourdes-Ba. Morro-Pi. Buritirama – BA. Avelino Lopes – PI. e Guaribas – PI. Por volta do final do século XVII, ordenado pelo vice-rei D. João de Lencastre, com o objetivo de coibir os ataques dos índios acoroazes e mocoazes nas fazendas de gado existentes na região. Naquela ocasião em terras da província de Pernambuco, foi criado em 1810, com a denominação de Vila de Pilão Arcado. Em 1824, devido às revoltas separatista dos pernambucanos contra o império, passou a integrar a província de Minas Gerais. Em 1827, com todo o além São Francisco, passou a administração da província da Bahia. Em 1857 foi extinto como município, integrando então ao território de Vila de Nossa Senhora do Remanso de Pilão Arcado. Em 1890, foi desmembrado de Remanso. Sendo elevado a categoria de cidade em 1938. Em 1978, devido à implantação da barragem de Sobradinho, no rio São Francisco, fomos transferidos para um local distante 24 km. da antiga cidade, onde se construiu uma nova cidade planejada pelo o Governo Federal através da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco a “Dona CHESF” como dizia o Padre João. E assim foi nosso destinado mudado pelas mãos do homem. Nos colocaram na nova cidade como se coloca jumento no tabuleiro. Casas inacabadas, água racionada, tudo bem limitado. A dor maior no coração dos pilãoarcadenses foi saber logo depois de 1979 na maior enchente que não houve nenhuma enchente após que viesse deixar a cidade submersa, mas a ordem da CHESF foi cruel, colocar todas as casas no chão e trazer para nova cidade o material para ajudar construir as novas casas.
200 ANOS DE EMANCIPAÇÃO
30 de dezembro
Emancipou-se Pilão Arcado
Legalidade constituída
Do município a cidade
Nos atlas foi incluída
Na existência da vida
Hoje goza dessa idade.
Duzentos anos vividos
Já não são duzentos dias
Não tem como esquecer
Do vigor dessa alegria
Quanto mais o tempo passa
Bem moderno não disfarça
Só a soma entregaria
Em mil oitocentos e dez
A Vila na sede já havia
Combinaram com as extremas
Até aonde nos pertencia
Crescendo e se organizando
Foi o Pilão aumentando
Em terra e demografia
Limitando-se com Remanso,
Guaribas, Buritirama e Avelino
Com Morro e Campo Alegre
Se unem desde menino
A sede se transformou
Um novo rumo tomou
Transformando seu destino
Transformando pra melhor,
Com o pé no crescimento
Novo ponto de partida
Estrada e escoamento
Produto valorizado
Um melhor preço alcançado
Novo incentivo e fomento
Avante Pilão Arcado
Municipalizando o progresso
Priorizando a educação
Optando pelo inverso
Sem orgulho e sem luxuria
Conquistando com bravura
A guinada do sucesso
Avante Pilão Arcado
Com toda organização
Emancipando a saúde
Cuidando do cidadão
Seus filhos bem que merece
De longe nunca lhe esquece
Com saudade sempre estão.
DAS PEDRAS PARA A CAATINGA.
Ao lado dos barrancos que ladeavam as águas do Velho Chico. Entre serrotes, genipapeiros, criolís, oitis e quixabeiras, eu me criei. Eu me criei na minha velha cidade Pilão Arcado como toda criança desejaria ser criada. Com liberdade, auto-estima, num paraíso desolado, imaginariamente tão lindo o quanto o que morou Adão e Eva, o grande conforto que eu tinha era saúde em abundância.
No decorrer de muito tempo a liberdade sempre falou alto em minha vida; brincava nas matas sem medo de nada, nadava como se fosse uma piaba, pulava de pernas de pau, era um herói na bola de gude, gingava pião melhor do que ninguém. Na minha ingenuidade, cego para o mundo bem como o mundo não me enxergava. Refiro-me ao mundo dos governantes que sempre adoraram governar para os inocentes.
A cada passo da minha caminhada mesmo com saudade de tudo que sinto até hoje, fui descobrindo que a vida não era só aquilo em que se via e vivia. Descobrindo que os meus antecessores também vivenciaram a mesma harmonia, tiveram as mesmas alegrias e felicidades em que eu tive. Mas também descobrir que meus antecessores lutaram para defender suas causas próprias, suas comunidades e seus familiares. Uns com idéias libertárias com tentativas de fazer transformações sociais para que viesse atingir as necessidades de todo proletariado e principalmente aos camponeses, cujas privações sempre foram degradantes aos olhos dos sensatos, pois na verdade viver com dignidade é um direito sem precisar exigir nada de ninguém. A igualdade não significa dizer que todos necessitem possuir a opulência, mas que todos possam partilhar do mesmo pão, praticar esporte, competir vagas sem nenhum tipo de exclusão e discriminação. Portanto esses que tiveram pensamentos desse modo pensaram da maneira em que eu penso, pois alguns foram levados pela ganância sem nenhum tipo de generosidade tornando-se escravizados por poder e dinheiro, olhando para o seu semelhante como instrumento de uso descartável.
Venho descobrindo em minha caminhada que a vida é cheia de muitas pedras. O poeta Drumon, em um dos seus poemas, se mostrou preocupado com a pedra no caminho, ainda que seja um poema para incomodar a alguns as pedras estão espalhadas por todas as partes. “tinha uma pedra no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”, convenhamos que as pedras nos ajudem nas nossas correções, tudo que incomoda nos faz corrigir, gordura física excessiva, maldade e o vício quando excedem são necessários que se corrijam, bem como a necessidade de conseguir o pão nosso de cada dia aquele que não teve a sorte de nascer em berço esplêndido faz mil e uma pirueta para conseguir. Não sou pescador nem nunca tive tendência para exercer esta profissão, mas numa ocasião, ainda garoto, num dia daqueles que a minha família não tinha o que comer. Joguei na água uma linha curta com uma isca no anzol que não demorou muito ser abocanhada por um dourado de tamanho médio, aproximadamente 3 kg. O qual no momento vacilava nas correntezas do “Velho Chico”, esse estava também à procura de sua sobrevivência no remanso de uma grande pedra denominada pedra do remanso que há no rio da minha velha cidade, tive grande alegria, corria para o meu lar com o peixe na mão, defendendo sem dúvida, o almoço daquele inesquecível dia que muito me incentivou daquele momento em diante me virar para conseguir ajudar minha mãe a colocar na mesa o sagrado e referido pão de cada dia. Foi ai que descobri o enorme prazer de ser útil para minha família através da minha cooperação e comecei a trabalhar numa padaria, pouco ganhava, mas muito servia. Na luta do dia-dia, sempre sobrava um tempinho para eu observar a olho nu a beleza dos lugares circunvizinhos da minha velha cidade em cima do ponto mais alto e bonito que jamais deixará de existir na cidade velha, que é sem dúvida a pedra branca também conhecida por cruzeiro. De lá eu sonhava sem dormir, via o mundo como se fosse através de uma bola de cristal, era tudo muito transparente e fácil de realizar na minha imaginação, o meu sonho era viver naquele mundo em que eu enxergava tudo ao meu redor, e nem se quer imaginava um mundo além daquele. Às águas do São Francisco com sua magia, me transmitia uma imensa alegria. Às ilhas produtivas de alimentos me fazia imaginar que no futuro o meu futuro não fosse tão diferente dos demais infinca furão e sementes de feijão nos chãos dos lameiros para esperar um resultado de uma safra que se dava anualmente na vazante do “Velho Chico”.
Tempos de ternura, de muito amor e cumplicidade entre os amigos. As amizades bem cultivadas, sem falsidades, segredos que eram mutuamente partilhados e ocultados, sem medo de se decepcionar, do encanto do primeiro amor, da primeira namorada, das primeiras relações proibidas, do primeiro trago de bebida e tudo mais... Mas a cada passo, cada instante, cada dia no meu coração a ternura se afastava, uma porta se fechava, com isso o coração foi endurecendo e transformando todo meu ser como transforma até hoje com as ingratidões causadas pela falta de amor. Quanto mais tento conhecer o passado da vida, mais aumenta minha indignação, quanto mais tento conhecer o presente, mais me surpreendo cada instante, imagino que o amanhã poderia ser diferente, só a esperança é alimentada para não morrer. O hoje passa e o amanhã não existe diferença do ontem, o que transforma todo instante é o aumento da descrença, esperteza em mais esperteza, maldade em mais maldade e a degeneração tomando conta de uma boa parte da sociedade.
O passado não era bom porque não havia crescimento, era pacato, paciente, tranqüilo e todos se respeitavam, mas era aí onde morava a felicidade, no respeito. Com todo atraso e precariedade de sobrevivência que havia eu mentiria para o meu coração se não sentisse uma enorme saudade do Velho Pilão. Vez enquanto meu coração viaja vagamente nas ondas do pensamento, como um internauta a navegar nas páginas da Internet a procura de um momento de felicidade. A saudade tem sido o preço do desenvolvimento. Desenvolvimento que nos trouxe a intranqüilidade, desamor, desconsideração, desrespeito e a delinqüência sem limite. Nas pedras me criei até os vinte anos de idade sem saber o que era maconha e nem tampouco a falta de vergonha que hoje prolifera com a tal evolução e cada vez mais a perdição. Dizer que sinto saudade do atraso em que vivia, eu não sinto, mas entre um paraíso de beleza adversa escolheria as coisas mais belas e vivendo no desenvolvimento de uma linda cidade procuraria fazer o mesmo, procuraria respeitar a natureza, as pessoas e principalmente as de mais idades, procuraria encontrar a felicidade através da educação, da leitura e dos melhores programas. Hoje em dia não se pode dizer: ah, aquele não comete erro porque é de boa família, o pai dele não fazia essas coisas! É engano, melhor observar o bom proceder de cada ser para não se decepcionar, pois só o limoeiro produz todos os frutos iguais (ou seja: azedo). Tempos mudados. Tecnologia, ciência, informatização, imagens e noticias de qualidades e bons programas. Alto percentual de pessoas optam pelos piores e age com a consciência dos mesmos, isso é a evolução do tempo nos trazendo um monte de conseqüências que para muitos já se tornaram banais, quem fala de princípios não passa de cafona, e nossos índices de conhecimentos os concursos públicos nos entregam.
TORRÃO QUERIDO.
Torrão querido Pilão Velho. - Mesmo encravado nas pedras sua sina foi severa por “Sevé” – D. Sevé, assim a mesmo exigia que a chamasse, seu nome mesmo era Severina, a mulher que administrou a CHESF com mãos de ferro na mudança da Velha Cidade. No período da mudança a propriedade que valesse cinqüenta mil ela oferecia vinte e cinco, se o proprietário não aceitasse, ela chantageava com a conversa em que as águas iam cobrir, aí o coitado desenformado não tinha outra escolha senão aceitar, mas na verdade se não aceitasse não ficava só na chantagem as águas cobriam mesmo. Todos os lugares de moradores de roças e ilhas foram cobertos e tiveram grandes prejuízos de animais. Quem nunca imergiu foi a sede do município por ter sido localizada em um ponto alto. Muitos gados e criações miúdas morreram afogados, galos e galinhas cantaram em cima das árvores mais altas o quanto suportaram, uns foram socorridos e outros comidos por piranhas. Isso porque muitos com sua ignorância não acreditavam na história que água cobriria suas terras. Teve deles que veio sair na ultima hora deixando tudo para traz. Sevé como representante da Chesf administrou sem alma, sem sangue, sem espírito e sem coração. Demoliu a cidade sem necessidade nenhuma, demoliu patrimônio histórico e tudo de bonito que o povo tinha além de causar traumas em muitos que já se foram sem se adaptar ao novo habito. A severidade de Sevé foi pouco diferente de um genocida, teve como objetivo lesar a todos e não permutar a cidade, mas sim enviar uns para as agrovilas na Serra do Ramalho e outros para se unir a cidade de Remanso, para que sendo desse modo tivesse um orçamento mais barato dando prioridade maior ao investimento da obra da barragem de Sobradinho. Na mudança contamos com aproximadamente mil e trezentas pessoas da velha sede para nova sede, o restante que lá havia incluindo os arredores foram ludibriados com a dura enganação das milagrosas terras que produziam frutos, verduras e legumes como se fosse uma fabrica com produção de tamanhos exagerados da maneira em que mostravam nas falsas filmagens das terras das agrovilas, a exemplo de uma goiaba ser confundida com uma melancia, de modo que nem se tocaram para diminuir o tamanho da enxada e enquanto muitos apreciavam as enormes frutas, Daniel e outros mais espertos se assustavam com o tamanho da enxada, ele que pouco já gostava de trabalhar acabou assustando uma meia dúzia dos que já estavam interessados. Anos depois se ouvia falar da peregrinação de muitos que não se acostumaram mais em lugar nenhum, até hoje vivem de mudanças como ave de arribação e outros pararam de migrar quando chegaram de volta à nova cidade que encontraram a hospitalidade dos velhos conterrâneos. Na oportunidade foram incentivados pela Igreja e sindicato dos trabalhadores a colocarem os seus prejuízos na justiça, mas só aproximadamente cem pessoas colocaram e já se passaram mais de trinta anos e nada foi resolvido até o dia em que foi escrito este artigo. Em 20 de junho de 2010.
TRISTEZA E DESTRUIÇÃO.
Destruíram com as mãos toda sua simples beleza. Os governantes não tiveram punhos para impedir a destruição, nas reuniões da Chesf com a comunidade a voz que ainda se ouvia era de Macilon e Rudival, haja vista que o silêncio dos mais fortes engolia as vozes dos mais fracos, poderia hoje ser um lugar turístico ou servir de moradia para muitos que por muito tempo não se adaptaram com a nova cidade. - Arrancaram o calçamento, quebraram os bancos da praça para tirar simplesmente o vergalhão, tiraram os telhados das casas praticamente para fazer o mal, a madeira na maioria das casas eram carnaúbas e não teve nenhuma serventia na nova cidade, bem como o telhado com telhas comuns que pouca gente utiliza hoje em dia, e noventa por cento das casas eram de taipas, nada mais servia de proveitoso. Também havia os prédios públicos construídos com dosagem de cimento tão forte que nem sequer conseguiram arrancar uma alvenaria inteira, mas infelizmente foram pro chão, se bem que materialmente quase nada tinha valor, mas moralmente e psicologicamente a destruição foi altamente prejudicial. Foi um pesadelo que atormentou por muito tempo a idosos, jovens e crianças que lá nasceram. Tudo isso se deu a revelia da vontade de Sevé com todo aval da Chesf sem nenhum protesto dos moradores sendo que grande maioria deles acreditava nas bonitas conversas furadas de Sevé.
LEMBRAÇAS ESCRITAS PARA NÃO DESAPARECER DA MENTE COM O DECORRER DO TEMPO E A GERAÇÃO DE AMANHÃ DE NADA SABER.
Tudo se acaba um dia, mas as recordações ficarão para sempre. O que resta em minha memória de recordação do Velho Pilão Arcado, registro neste modesto blog, pois minha memória também chegará ao final. A vida passa rapidamente, quando se acha que venceu está vencida. Portando, me ponho a lembrar da minha mocidade e dos mínimos detalhes de uma cultura diferente em que eu vivi. Vivi e recordo de cada grão de areia das coroas do São Francisco formando lindas praias de um lazer inesquecível. Dos paquetes que hoje tem outro modelo e o nome de regata. Paquetes que tínhamos como veículos para transportes das safras produzidas nas ilhas, para pescarias, passeios e travessias de veículos para o município de Sento Sé do outro lado do rio. Dois barcos famosos pertenciam a Joaquim Pedreiro, um por nome de amada amante e o outro trivilusco, esses se uniam em forma de balsa para atravessar os veículos. Numa certa ocasião tiveram a honra de atravessar a rural do Cap. Lamarca fugindo dos militares e logo adiante capturado e assassinado no município de Brotas. Recordo as enchentes do rio e a correria dos plantadores de melancia, abobora e mandioca. Neste período era o momento da colheita prematura, melancia e abobora verde e a mandioca fina, se deixasse mais tempo debaixo d’água pubava (apodrecia) e morria, o prejuízo era bem maior. Tempo dos batuques em casa de farinha, a engenhoca era movida pelas mãos de homens fortes, uma roda muito grande funcionava por quatro pessoas de força para rodar uma peça por nome de bulinete como assim o chamavam; o mesmo movido pelo um reio cru que fazia girá-lo em boa velocidade, (bulinete é uma peça arredondada em forma de rolo para massa de pastel, encravado de serrinhas para fazer triturar) e em seguida ralava-se a mandioca, prensava, enxugava, uma parte espremida se transformava em tapioca e outra em massa para fazer a farinha, processo gradualmente ao de hoje a diferença é na modernização das oficinas que são eletrizadas ou motorizadas e sem a harmonia do batuque animador de casa de farinha, as tiradas de versos e a hospitalidade do povo de um ajudar o outro em seus afazeres. Recordo muito bem das ilhas, das quebras de milho e depalhação. Dezenas de pessoas se reuniam contando causos e adentravam a noite alegres e satisfeitos no seu mutirão, uma semana na roça de um e na outra semana na roça de outro e assim sucessivamente com a despesa apenas de um garrafão de pinga e algum tira gosto sem ninguém reclamar de nada. Nas ilhas era aonde se dava as melhores farras, as melhores paneladas, ou seja: os piqueniques. Reuniam-se dezenas de rapazes e moças debaixo de um juazeiro, uma mangueira ou outra arvore de sombra, dançavam ao som da vitrola até o pôr do sol. Era daí onde nasciam os namoricos e as amizades com todo respeito acima de tudo. O respeito e a consideração sempre prevaleceram com intensidade.
Recordo cada rua, cada praça, e cada beco da velha cidade; se compreendia como rua da beirada a primeira rua por ser defronte ao rio, por ser no meio se compreendia como rua do meio e rua do serrote por ser do lado do serrote, mas na verdade já existiam muitas ruas com nomes aprovados pelo município, nomes como: Barão de Cotegipe, Rui Barbosa, Castro Alves, Almeida Couto, Silva Jardim, Santa Isabel e muitas outras. Becos os mais lembrados são os de Boneca de Caçulo, Zé Ribeiro, Dudu Moreira, Beco de Florins, Beco do Sebo, Beco de Boneca Almeida, Beco de Dona Iara, Beco de Antonio Jerônimo, Beco de Félix Nunes e Beco da Igreja, são tempos que nos traz grandes recordações que serão passadas de geração em geração para que a história de nosso povo nunca perca a identidade, mas que seja sempre lembrada por nossos sucessores.
ENCANTOS QUE JAMAIS ESQUEÇO.
Os encantos se davam nas coisas mais simples. Na correnteza da pedra do remanso, aonde parávamos horas e horas para ver a força das águas ao seu redor. Em tempo de enchente ela se imergia, mas quando o rio baixava o seu volume de água trazia de volta aquela alegria, a alegria de brincar boiando em duas cabaças inquiridas ou numa câmara de ar, indo e voltando tomando aquele solzinho gostoso de um inesquecível prazer, realmente uma curtição inigualável que jamais deixará de ser lembrada pelos Pilãoarcadenses. Encanto se dava quando lua voltava do seu percurso. Luar aonde a comunidade não possui energia é motivo de festa, tenho recordação das meninas brincando de rodas com suas lindas cantigas, os meninos brincando de rolou, ou seja: de se esconder, os jovens, senhores e senhoras sentarem no terreiro ou na frente da casa para contar causos, histórias ou fatos da própria comunidade, tempo em que os visinhos dialogavam até tarde sem maldade, com toda amizade e consideração, partilhavam o dialogo e não mediam distância de partilhar o pouco que tinham. Encanto se dava na ponta da pedra, na ilusão de uma corrente de ouro que os antepassados nos fazia imaginar que a mesma existia e de vez enquanto saia de um buraco da referida pedra e se estendia até a pedra branca, refletindo um brilho de doer às vistas. Encanto se dava na pedra pico do amor, aonde namorados perdiam o medo de viver na solidão e entendiam que a vida seria melhor com mais amor e mais vida. Encanto se dava no mais lindo encanto de todos os encantos do pilão que é a pedra branca, a luneta que se ver a olho nu onde as vistas alcançam, digo alcança porque até hoje existe, continua lá enamorando e encantando os olhos de quem a conhece, e os que não conhecem se encanta quando conhece. Pedra branca sempre foi bem visitada e o que muito impressiona é que seja em qualquer hora do dia não tem sol quente que a faça esquentar, está sempre fria para receber suas visitas a qualquer momento do dia, pedra branca é o infinito cartão postal que a natureza construiu para os pilãoarcadenses, dando complementação sua beleza pavimentou com centenas de milhares de pedrinhas brancas todo seu redor colocando mais brilho em sua simples beleza, hoje distante dos olhos de quem a deseja vê-la. Abandonada e tomada pelos matos, mas ainda continua no mesmo lugar, com certeza se fosse construída pelas mãos do homem teria sido vítima da triste destruição. Pedra branca também é conhecida como cruzeiro, isso porque alguém que viveu na comunidade muitos anos atrás colocou uma cruz de madeira encima da mesma para que servisse também de um lugar de meditação
Velha Cidade
Jamais poderia esquecer
Dos meus tempos de criança
De tudo na velha cidade
Ainda guardo na lembrança,
Com toda vitalidade
Reconstituo minha saudade
Em regressão a infância.
E nessa volta ao passado
Nitidamente me vejo
Um menino despreocupado
Brincando por todo lado
Cheio de muito desejo.
Desejo de liberdade
Que ainda hoje tenho
De amor e felicidade
De um mundo sem maldade,
Tese que tanto mantenho.
Lembro o rio e os barrancos
Que ladeavam suas margens,
Dos banhos quase constantes
Namoricos e amantes
Formavam suas paisagens.
Mesmo sem muita opção
Nunca faltou pra onde ir,
A juventude em ação,
Fazia a programação
Com eventos para curtir.
O piquenique não faltava
Era tudo muito bacana,
Numa roça ou numa casa,
Vários grupos se juntavam
Em todo final de semana.
Lugares bem atrativos,
Como bem a pedra branca,
Estudava nossos livros
Os primeiros incentivos
Pra vida que nos confronta.
No areal das coroas
Com praias ao seu redor,
A curtição tão grande e boa,
Mas o tempo não perdoa
A saudade é bem maior.
A grande pedra do remanso
Ponto lindo e notável,
Quase sempre de relance
Na seca nos dava chance
De uma curtição inigualável
A beleza é infinita
A saudade gera dor,
Ponta da pedra bonita
Sem o valor da pepita
Mas lindo Pico do amor
Criei-me por ali brincando
Como um índio curupira,
Nas matas sempre pulando
Sempre livre e vadiando,
Ingênuo e todo caipira.
Vivia a me alimentar
Com nossas frutas nativas,
O tempo lento a passar
Sem de nada reclamar
gozando de tudo na vida.
Tucum, quixaba e crioulí,
Vendo, sei que reconheço.
Jenipapo, araçá, e acessí,
Maçanzinha, aguapé, marí
Frutos que jamais esqueço.
Os mesmos representavam
A grande mata ciliar
Do Velho Chico cuidava
Ao lado fortificava
Pra sua vida aturar.
Hoje não se ver um pé
Dessas arvores vigorantes,
Estou perdendo a fé
Pois não sei como é que é
Que este rio vai adiante.
Com tanta perversidade
Contra a vida e a beleza,
Nessa promiscuidade
Transposição é maldade
É acabar com a natureza.
Da velha pra nova cidade
Ouve-se, grande omissão,
Faltou pura idoneidade
Coerência e capacidade,
Amor e compreensão.
Ai que saudade danada
Desse meu velho torrão
Na mente não se apaga
Nada de novo afaga
As dores do coração
Finalmente vou parar
Mas me recordo muito mais
Não posso continuar,
Prefiro me magoar
No refugio com meus ais.
Poema da minha autoria, o mesmo escrevi com muita emoção sem esquecer quase nada do que conheci, mas com certeza esquecendo quase tudo do que conjuntamente se poderia lembrar pelos que lá habitaram, pois na verdade cada um tem sua pequena lembrança, sua saudade e algo diferente na memória. Pilão Arcado velho uma cidade cheia de grande magia. Nós Pilãoarcadenses não sabemos explicar até hoje o porquê desse encanto. Quem lá visitava se encantava e não queria mais voltar, certo de que, tínhamos um povo hospitaleiro, amigo, camaradeiro que partilhava tudo que tinha e acolhia da melhor forma possível. É bem provável que fosse um dos porquês do aconchego, mas a saudade da cidade a gente via no rosto das pessoas que o visitavam, era muito grande, assim como é grande a nossa saudade, com aquela vontade de ver novamente. De novamente ver intacta e ao vivo, porque em sonho sempre é vista como realmente era, mas é apenas um sonho sem esperança de se transformar em realidade. Pois a realidade foi destruidora e é irreversível, conviveremos eternamente apaixonados e com saudades daquele torrão querido onde não sei de onde vem tanta atratividade para nos atrair e nos lembrar e fazer sentir saudade.
NOSSA CULTURA.
Pilão Arcado velho, sempre teve um povo de uma cultura arraigada no sangue, de modo que nunca se deixaram cair às comemorações folclóricas, datas cívicas, folias carnavalescas e religiosas. Valendo apena ressaltar que tudo isso acontecia com o esforço mútuo da sociedade pilãoarcadense sem ninguém se preocupar com ajuda do município.
A começar pelo carnaval que se inicia no começo do ano, me reporto a dizer da alegria em que eu via naquelas pessoas que durante o período carnavalesco parecia entrar em transe para estabelecer três dias de felicidade aparentemente sem canseira, sorrindo todo momento ao som de uma harmônica, um pandeiro e uma zabumba; instrumentos não eletrizados de poucos recursos sem comparar aos de hoje, mas ressoavam ao longo das margens do “velho Chico” e no chão pavimentado de cascalho do Velho Pilão Arcado. Mistério ou ouvido aguçado ou não, mas saciava de sonoridade toda cidade. Era o verdadeiro carnaval participativo, onde todo mundo pulava, brincava, molhava uns aos outros e ninguém se irritava. Quando me refiro molhar, era realmente molhar com água do São Francisco, o verdadeiro entrudo. Carnaval que saia nas ruas, entrava nas casas das pessoas e sambavam com alegria e ainda comiam as comidas que estavam nas panelas e os donos das casas quisessem que providenciassem outras para não ficarem com fome.
Em seguida entrava-se a quaresma na quarta feira de cinzas com as lamentações penitenciais deste período até a sexta feira santa quando encerrado com os penitentes se flagelando em louvor a paixão e morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Durante o período da quaresma se tinha todo respeito: a igreja católica cobria suas imagens com um pano roxo, rezavam-se o oficio divino todos os dias, as crianças guardavam as baladeiras sem poder passarinhar, os adultos não caçavam, música não se ouvia, muitos jejuavam constantemente neste período e quanto mais se aproximava da semana santa mais as ruas se silenciavam. O respeito aumentava sempre mais e na sexta feira santa nem banho podia se tomar e quando alguém se ousava a tal coisa outros diziam: você vai virar uma pedra, você vai virar um sapo, coisa desse tipo que metia medo nas pessoas. Na referida sexta feira santa era um dia exclusivamente de oração. Tinha oração no cemitério na igreja, nas casas de diversas pessoas e no cruzeiro. Os penitentes cumpriam suas devoções com muito respeito, até choravam emocionados com os cânticos entoados pelos rezadores. Mas, mesmo diante de tanta reverência nesse santo dia, por ignorância ou por inocência me lembro de muitas pessoas saírem de suas casas bem cedinho para o serrote a procura de cobra para matar-la com o propósito de obter um prêmio no céu por cada cobra morta, inocentemente cometiam esse pecado.
Sábado da aleluia era dia de queimar o Judas, lia-se o testamento feito em versos bem rimados escrito por algum poeta da comunidade, deixando seus bens para seus amigos mais próximos e assim por diante até a hora de atear fogo no danado. No dia seguinte, domingo de páscoa sempre havia uma festinha para acabar a tristeza.
MÊS DE JUNHO.
O mês de junho como sempre nosso padroeiro foi Santo Antonio. A cultura esteve sempre presente nas harmoniosas noites em diversas cores naturais sem gastos exorbitantes para se fazer da trezena as ornamentações de cada noite mais linda que a outra numa disputa desapegada dos noiteiros com todo afinco apenas para fazer bonito, esquecendo o lado material, e todos se disponibilizando desde o ponto de partido ao ponto de chegada num só objetivo para alcançar a perfeição. Durante esse período toda madrugada saía o alvorada pelas ruas da cidade, com músicas e fogos em louvor a Santo Antonio, representado e organizado pelos noiteiros que se constituía da seguinte forma: primeira noite tinha como responsáveis os fazendeiros e criadores; segunda noite, comerciantes; terceira noite, viúvas; quarta noite, meninas; quinta noite, meninos; sexta noite, moças; sétima noite, rapazes; oitava noite, agricultores e pescadores; nona noite, funcionários; décima noite, escolas; décima primeira noite, artistas; décima segunda noite, casadas; décima terceira e última noite pertenciam aos juízes da festa, ou seja, autoridades com representatividades no município. Finalizando o trezenário com linda procissão bem iluminada de lanternas em madeira e papel de seda protegendo a vela do vento deixando enormes fileiras de luminosidades em cores diferentes chamando a atenção dos visitantes com contínua progressão a cada ano. Mês de junho era o mês das fogueiras de ramos. Fogueiras empencadas de frutos amarrados nas galhas. Frutos como: laranja, melancia, mamão e outros; também havia em pendurado na referida fogueira, garrafas de bebidas, caixotes com prêmios, perfumes e outras variedades, isso para os visitantes da fogueira na hora da queda da mesma mediante fogo no pé do ramo tirar os prêmios. Porém, antes de cair, os meninos maiores já estavam avançando os referidos prêmios que lá se encontravam e era aquela alegria da garotada, quando o ramo se espatifava no chão todos caiam em cima para tentar conseguir alguma coisa. Ao arredor da fogueira todo mundo se contemplava de felicidade, logo em seguida aproveitavam-se as brasas para assar peixes, carnes, batata e abóbora. Tomavam se aperitivos aumentavam as amizades saltando fogo uns com os outros para serem compadres e comadres, padrinhos e afilhados e até mesmo para se casar muitos saltavam a fogueira; bastava se colocar um de um lado e outro do outro lado da fogueira e dizer as simples palavras: “São João dormiu São João Acordou, fulano é meu compadre que São João Mandou...”. Dalí por diante já saiam padrinhos e afilhados e até mesmo marido e mulher com todo respeito e consideração como se fosse realizado pela Igreja. Era o mês das quadrilhas bem animadas, dos dançadores bem enfeitados de caipiras, vestidos em chitinhas e cheios de fitas em todas as cores. O casamento caipira era aquela animação. Animação essa que se estendia do São João até o São Pedro com todo entusiasmo. Na cidade velha não faltava o que se comemorar. Era o samba de roda, serestas na voz e violão por grandes seresteiros, cantigas de roda, as meninas cantavam a lua clareou aiá vou ver, cantava a ciranda cirandinha, a flor de maravilha lá no bebedouro e muitas outras cantigas de rodas.
Festejava-se a Independência da Bahia no dia dois de julho aonde se promovia diversas disputas como: corrida de cavalos, disputas para tirar a argolinha dependurada numa trave com o cavaleiro encima do cavalo correndo com uma vara em movimento para acertar o centro da dita argolinha, aquele que assim o fizesse era o vencedor, apresentações de cavalos de marchas, corridas de jegues, eleição da Rainha para incrementar o evento, finalizando com um baile de grande participação da sociedade.
Datas cívicas comemoradas e sempre bem organizadas, como sete de setembro com desfile nas ruas, apresentações em salas de aula, dia do índio e demais comemorações.
Dezembro: tempo em que as crianças ainda acreditavam na existência de papai Noel, em véspera de natal esperavam amanhecer o dia com o presentinho no pé. Era época em que se mantinha a missa do galo bem freqüentada. Em dezembro todos faziam com esforço o que podiam para ter o seu símbolo natalino em casa. Suas lapinhas (presépio) com grande variedade de enfeites como se fosse para participar de alguma competição, cada uma querendo ser mais bonita que a outra. Em diversas casas residenciais a partir de vinte e cinco de dezembro a comunidade se reunia e rezava bem bonito sem faltar uma noite sequer até o dia seis de janeiro dia do encerramento. Nesse dia finalizava-se com uma confraternização, distribuía-se licor de jenipapo e aluá para os adultos. Sucos, bolos e balas de mel para a garotada e as mocinhas. Para muitos que não conhece aluá é uma bebida com álcool ou sem álcool, feita do milho, ou casca de arroz, ou limão que antigamente se costumava fazer. Tempos em que se conheciam lindos ternos desfilando pelas ruas da cidade. Hoje em dia nossos jovens sabem o que é um terno porque significa um conjunto de três objetos, ou seja, traje de palito, calça e colete do mesmo tecido, ou em outro significado, terno é um individuo amoroso, brando e suave. Mas o terno em referência é uma apresentação de homens e mulheres uniformizados de branco, portando pandeirinhos e triângulos em mãos com músicos entoando as músicas apropriadas do evento durante o seu percurso nas ruas da cidade. Tempos em que se comemorava o encerramento das lapinhas 05 de janeiro dia de Santo Reis e ao mesmo tempo iniciava os reis de boi que tinha início nesta data até o ultimo dia do mês de janeiro, finalizando com um piquenique por parte dos organizadores. Uma cultura riquíssima que ninguém deixava cair, cada ano bem mais bonito e organizado.
Na Cidade Velha o pouco que se tinha de lazer e cultura se fazia com muito carinho.
A organização do futebol era sem dúvida tratada como se fosse uma religião, todos tinham seu compromisso sincero no que diz respeito a seus uniformes e chuteiras, cada um era responsável para mantê-los limpos. Cada um se preocupava com a pontualidade nos treinos, nas reuniões e em dia de jogos ficavam horas e horas de concentração. Cada time tinha sua sede própria e cada jogador não media distância para correr atrás e angariar recursos para manter de pé o seu clube. Em campo não tinha palhaçada, cada um se esforçava para fazer o melhor. Nós pilãoarcadenses contávamos com dois campos de futebol se conhecia como campo de baixo e campo de cima. O campo de baixo pertencia ao Botafogo e o de cima ao Bahia, ambos bem demarcados, cuidados e bem zelados. Bahia e botafogo eram os dois que possuíam mais títulos. Mas, havia outros times como: Grêmio, Vitória, conhecido como alcatra. O Vitória era conhecido como alcatra porque o dono do time era Senhor açougueiro, que em véspera de jogo dava um pedaço de osso da alcatra a cada um dos jogadores para colocar no feijão e comer para ficar forte no dia do jogo. Tinha o Santos, cruzeiro, brazinha e demais outros times que não me recordo.
CULTURA DO DR. FOLHA VERDE.
Doenças cuidadas pelos benzedores e benzedeiras, os conhecidos doutores folha verde, as mais comuns eram: dor de cabeça, tirar sol e sereno da cabeça, hemorragia, dor de dente, arca caída, erisipela, desmintidura, quebranto, dor nas tripas, espinhela caída, ferida na boca, mau olhado, mãe do corpo, vento caído, mordida de cobra, reza para desengasgar, e reza pelo um bom parto. A benzedeira ou o benzedor estavam sempre à disposição dos doentes da comunidade, as doenças relacionadas acima não tinha ramada bem passada que o doente não se erguesse. Três benzedores de muito destaque foram: Joana Rodete, Pedro Velho, Joana Cruera e Miguel Porteira, mas havia muitos outros. Deles que não rezavam em doentes, mas faziam parar ventania, escorrer água do cano do revolver do adversário de modo que o instrumento ficava sem serventia para outra empreitada. Hoje chamam esse conjunto de adjetivos de crendice popular, se fazendo par com nego d’água, lobisomem e caipora. Aos poucos à ciência e tecnologia vem nos trazendo para um mundo descrente, mas o Dr. Folha verde salvou muitas vidas com a força prodigiosa do pensamento, valendo a pena lembrar que essa cultura ainda permanece viva em algum lugar do município de Pilão Arcado e com certeza em alguns outros municípios.
NOSSA CULTURA CULINÁRIA
Não me esqueço jamais da paçoca pisada no pilão, pilão que é o símbolo de Pilão Arcado. Pilão de madeira que deveria está presentes nas residências da nova cidade. Pilão que deu origem a nossa cidade também deveria está presente no slogan do município. Pilão que sumiu dos nossos olhos levando aquela gostosa paçoca junto. A paçoca de pilão era um prato predileto na casa de cada um de nós, sendo destinado por comum para o momento da ceia. Na casa em que pisava aquela paçoca o cheiro gostoso tomava conta de uma porção de metros quadrados daquela cidade. A receita é muito simples: carne de sol assada na brasa, farinha de mandioca e cebola vermelha. Essas misturas pisadas no pilão, além do cheiro gostoso o gosto é incomparável, alem de agradável saudável.
Tínhamos o cascarrão, manuê, pomba de maroto, cambraia, brevidade, rolinha broa e suspiro. - Tínhamos o pirulito enfiado no palito, pirulito em forma de bonequinho, quebra-queixo, puxa. - Puxa é uma Palavra que significa no dicionário interj. que Exprime espanto, admiração, aborrecimento, etc. Mas, na verdade a puxa que me refiro é um doce comprido feito da rapadura que a gente puxava, puxava e ele sedia flexivamente se dobrava e encompridava sem quebrar. Naturalmente ganhou esse nome por causa dessas manobras, por sinal muito gostoso, tínhamos o doce de batata doce, doce de abóbora, arrieiro e muitos outros.
PEQUENA ANÁLISE DO QUE ERA NOSSA CULTURA
Na nova cidade ainda temos como cultura da velha, as lamentações sem entusiasmo, sexta feita santa na igreja mantém-se ordem e muito respeito, mas, infelizmente no evento dos penitentes hoje em dia é a maior algazarra, os penitentes embriagados e o povo no meio da flagelação aspergindo-se de sangue em todo corpo por querer assistir de cima de mais. Um retrato bem diferente do que era. Continuamos com visita de sétimo dia com seriedade, com a dança de São Gonçalo um pouco tímida em algum lugar da região e outros ainda bem animados; continuamos com reis de boi fragilizado das cantigas e das suas vestes, fragilizado de organização, servindo de chacota numa decadência sem limite. O futebol capenga, sem esforços dos esportistas a espera dos governantes; Santo Antonio, esse continua cada vez mais animado; São João e São Pedro com suas fogueiras e quadrilhas animadas na cidade velha, hoje, perdeu todo o seu brilho e entusiasmo na nova cidade; Dois de julho poucos jovens sabem o que significa, esqueceram nosso folclore, esqueceram nossas comidas, estamos quase sem identidade e muita coisa não se perdeu ainda graças ao nosso pároco e grande amigo Padre Guilherme, que a pesar de não ser pilãoarcadense e muito menos brasileiro nos incentiva sempre a não deixar morrer a nossa rica cultura, principalmente nas apresentações das noites de Santo Antonio que é sempre lembrado com temas culturais criados por artistas da terra como, dramatizações, poemas de autoria da saudosa Irene Antunes, José da Franca, organizações de pastorais e demais outras pessoas talentosas da comunidade.
FLOCLORE
Folclore é um conjunto de coisas que o povo sempre gostou de relembrar ou comemorar. São crenças populares de um povo que vai passando para outro povo que não deveria deixar morrer nunca. Folclore é cultura popular que nos faz viver, essas lembranças extintas nos entristecem e empobrece nossa cultura. É com essa cultura que me recordo das estórias de nossa terra, onde me disponho a narrar falando de causos e casos, misturando estórias com histórias.
Conheci pessoalmente nos meus tempos de criança um senhor que me causava arrepios ao se aproximar, seu nome era Pedro de tal não me recordo seu sobrenome, mas, conhecido por Pedro Velho e gostava muito mais que o chamasse de Pombo Roxo, bem como sua esposa era conhecida por dona Chiquinha, que já era um apelido e apelidada mais ainda por ele de Beija-Flor. Pombo Roxo tinha um dom miserável de adivinhar a morte de alguém. Ele próprio dizia que a morte era sua madrinha e se comunicava com ela. Quando ele colocava a mão no ombro de uma pessoa e lhe falava que a sua dindinha estava seguindo seus rastros, não demorava muito tempo para aquele ou aquela ir conversar com São Pedro. Também garantia a cidade por algum tempo. Dizia ele: dindinha me falou que vai passar três meses sem passar por aqui e por incrível que parecesse passava-se três meses sem morrer ninguém na cidade, em seguida ele mesmo dizia: de agora em diante não garanto mais nada pela cidade e logo, logo um batia as botas. Essas coisas ele dizia sorrindo cheio de humor. Numa certa ocasião na ilha onde morava, saiu sedo para flechar um peixe para comer com sua esposa Beija-Flor. Dizia ele que não era de perder flechada e via cada curimba e piau enorme de lombo de fora, mas, as flechas lançadas tomavam outra direção, só via levantar a borbulha na beira do capim e nada de flechar um peixe. Ele depois falou para as pessoas que teve um discernimento dos peixes que seus olhos viam que não passavam de visagens, ou seja: uma visão ótica. Já era tarde, sem pegar nada para comer, colocou o barco na direção de um pé de mari e encheu o balaio. Chegando, em sua casa disse para sua esposa: mari no fogo Chiquinha, não matei nenhum peixe, hoje a dindinha vai passar por aqui, não tem dizer talvez. – Chiquinha lhe disse: você é besta maluco, tá ficando doido. Nesse momento Chiquinha colocou os maris no fogo quando estava abrindo o biquinho como ele falava, encheu uma cuia e foi para o terreiro comer mari, quando viu aquele leque de gelo passando por ele, ai ele disse: Chiquinha a dindinha passou aqui! Sentir o seu leque de gelo, foi buscar Joviniano nosso visinho. - Ela então lhe disse: é besta maluco, tá falando bobagem. Mas, não demorou dez minutos, se escutava o chororô na direção da casa do visinho. Aí ele disse: eu não disse Chiquinha, a dindinha levou Joviniano, pode ir ver que ele tá lá de cara pra cima.
Pedro Velho ou o mesmo Pombo Roxo, não andava em cemitério, acompanhava um cortejo, mas, na hora de entrar no cemitério ele ficava de longe, e alguém procurava: seu Pedro por que o senhor não entra em cemitério, ele respondia: meu filho o que não é visto não é desejado. O homem vivia gozando de uma saúde danada. Nada ele sentia. Aqueles mais curiosos lhe perguntavam: seu Pedro, a dindinha não vem buscar o senhor por quê? - Ele respondia: ela sempre vem, mas, aí eu mando um neto em meu lugar. Por coincidência ou não morreram vários netos dele, novo sem se saber de quer.
Na vazante o rio São Francisco o povo plantava nas ilhas, os chamados lameiros. O terreno que ele dissesse ao dono, não plante que a lagarta, o rato e toda mundiçada vai comer, se a pessoa desobedecesse e plantasse a planta não dava nada. Outros gostavam de consultar primeiro a ele se plantava ou se não plantava.
Pedro Velho contrariou muito os seus contemporâneos. Mas, no vai e vem da vida também foi contrariado. A barragem de sobradinho espalhou para todo canto os filhos da terra e Pedro Velho foi mais um dos que foi se parar em São Paulo junto com sua esposa D. Chiquinha. Mas por informação ele continuou fazendo suas profecias de morte, onde eu soube que em um ônibus o cobrador que lhe passara um troco ele disse: hei cobrador, este é o ultimo troco que vai passar. Não demorou muito, houve um tiroteio que atingiu o cobrador fatalmente e não deu outra.
Este cidadão viveu 107 anos dizendo ele que chegou sua hora porque a dindinha não querendo lhe ouvir levou sua esposa Beija-Flor deixando ele sem ânimo para viver e quando a dindinha veio em sua busca não apresentou mais nenhum neto e acompanhou sua madrinha.
JWS – JOSÉ WALDIVINO DA SILVA
Torrão querido. A memória do seu povo faz a cultura da crendice popular nas recordações das gerações atuais lembrando pessoas do passado tipo José Waldivino da Silva, um cidadão aluado, prejudicado pelas intentonas da segunda guerra mundial como soldado brasileiro. Porém um homem de bom coração que se tornou soldado em São Paulo com respeito à corporação até a sua reforma. Retornando a Pilão Velho, na sua chegada já se percebia o grande distúrbio psicológico que lhe atinha, mas acima dos atos sombrios pairava sobre ele a lucidez de um homem vaidoso de muitas peças de roupas finas, perfumes suíços, vinte pares de sapatos, cem gravatas e mais de duzentos pares de meias, sua chegada no vapor Wenceslau Braz necessitou de muitos carregadores para levarem as suas malas. Depois de hospedado na residência de sua irmã, toda semana estava na barbearia de Félix Nunes raspando a barba, aparando seu cabelo e raspando para acender as iniciais do seu nome no centro de sua cabeça que era: JWS (José Waldivino da Silva). José Waldivino para preencher a ociosidade do seu tempo, pescava e plantava roça de melancia. Numa certa ocasião pediu a Nicinha Nunes que lhe catasse umas minhocas para ir à pesca e assim ela fez, encheu uma latinha de leite ninho de minhocas e a ele entregou, se dirigindo até a beira do rio ao colocar no anzol a primeira isca parou, refletiu e chegou à conclusão dizendo: Nicinha se enganou, e antes de jogar a primeira linhada, voltou até Nicinha, devolveu a lata com as minhocas e disse: você me entregou a lata com a mão esquerda, agora me der com a mão direita.
JWS, ia colher melancia da sua roça afastada da cidade aproximadamente seis quilômetros em um jumentinho com dois aiós
um de cada lado adaptado na cangalha, cheios de melancias pequenas, restos da safa, uns chamam de tamboeira e outros de pororoca, era o jumento na frente cansado e ele atrás tocando também morto de cansado e com cede do percurso que fazia, mas ao entrar na cidade, desde a primeira casa ele batia na porta e perguntava: é servido pororoca, é servido pororoca e todo mundo aceitava, todas as melancias eram distribuídas gratuitamente antes de chegar à sua casa.
Histórias que mantemos vivo o passado cultural de pessoas que enraizaram nas memórias de nossa gente se fazendo folclore para muitos, e realidade para alguns.
ZÉ JUREMA.
Zé Jurema, um cidadão que morou no Pilão Velho. Zé Jurema não perdia tempo. Antes de 20 de julho de 1969 que os astronautas foram à lua, Zé Jurema já havia ido. Enquanto eles foram de nave. Zé Jurema foi de barco, numa noite de lua cheia. Zé Jurema fez seus cálculos, olhou na folhinha o dia em que a lua ficaria cheia e na madrugada desse dia remou em direção ao pé da serra, quando deu a boca da noite que a lua estava saindo ele já estava encostando seu barco ao lado do cavalo de São Jorge.
Zé Jurema, ninguém podia duvidar do que ele falava. Já começava dizendo assim: numa certa feita pescando no rio Amazônia, me dei com uma árvore tão grande que podia cortar nesta árvore 50 machadeiro que nem um escutava a pancada do machado do outro. Mas como em toda cidade tem malandro, um por nome de João de Júlio disse: seu Zé, eu também conheci um pássaro que no lugar onde passava, seu bico surgia de manhã sedo e o rabo acabava de passar lá pra meio dia; - você tá mentindo moleque! Onde é que pode acomodar um pássaro desse porte? João respondeu: esse pássaro dorme lá na arvore que o senhor conheceu seu Zé. – è muita ousadia um moleque como você querer me reprovar disse Zé Jurema. Mas nada disso intimidava Zé Jurema, no mesmo instante ele vinha com outra. – Meu filho, um dia desses botei uma rede da ponta da ilhota cá pra beira d’água, quando bateu uma peixa tão grande que eu vi o balanço das águas pra lá e pra cá, faltava pouco pra trazer a ponta da ilhota pro lado de cá. Foi trabalho pra eu botar esse animal fora d’água. Sê pode me acreditar que depois deu jogar ela dentro do barco bateu uma chuva tão forte que eu já tava era com medo. Não fosse eu ter me agasalhado debaixo de uma escama da peixa, eu tinha mesmo era arrumado um grande resfriado.
ESTÓRIA CONTADA POR MINHA MÃE.
O MORTO QUE ESTAVA VIVO.
Um homem sobe numa umburana para tirar uma abelha. Começa a cortar o pau que estava à abelha, sentado na ponta do mesmo. Neste momento vai passando um viajando montado em sua burra que levanta às vistas e olha para aquele serviço mal feito e diz: meu amigo, você vai cair daí! – O cortador de abelha respondeu: caio nada, eu tenho meu corpo muito seguro. - O viajando ainda disse: é você não quer me ouvir, tudo bem! Continuou sua viajem e não viajou sem metros para escutar o estrondo do homem sobre o chão. Quando o pobre homem cai da umburana parece ter soltando um parafuso da cabeça com a queda. Saiu doido em direção ao viajando procurando em que dia iria morrer. – Seu moço, seu moço qual é o dia em que vou morrer? O viajando lhe respondeu: Não sei, eu não adivinho! - O homem insistiu dizendo: o senhor sabe. O senhor falou que eu ia cair e eu cair! – Foi, mas, ali estava bem claro, você cortava o mesmo galho em que estava sentado. Depois de muito insistir o homem, o viajando então lhe fez uma proposta. Pois bem, já que você insiste, acompanhe minha burrinha. Depois que ela cagar três vezes o senhor morre. Ele acompanhou a burrinha que ia numa direção muito longa. Quando a burra deu a primeira bufa, ele disse: ai meu Deus, minha cabeça já começou a doer. Aí veio a primeira cagada, ele também começou a desmaiar, mas, seguiu na direção da burrinha. Logo adiante a burrinha da à segunda cagada, o homem faz vômito, da o primeiro termo e aguarda a terceira e ultima cagada da burra para cumprir sua sentença. Essa veio para acabar com a vida daquele coitado. Caiu no meio do sol quente, escumando de cansado, quase morto de verdade, e o homem da burra seguiu sua viajem. Mas, para completar o fim das horas daquele homem, passaram dois vendedores que iam fazer a feira em um povoado ali próximo. Os homens por sinal bem generosos. Quando viram aquele corpo estendido no chão quente de um sol escaldante, disseram:
coitado, morreu logo aqui! Não achou nem sequer quem o enterrasse! E um perguntou ao outro: você leva uma rede? - O outro respondeu: eu tenho uma aqui. Tirou a rede, colocou o corpo dentro, amarrou bem amarrado e disseram vamos levar para o povoado que é logo ali adiante. Atravessaram uma vara comprida nos punhos da rede, colocaram nos ombros e seguiram viajem. Para chegar mais ligeiro foram cortando estrada por carreiros. Em um dos carreiros o riacho transbordava e eles não sabiam. Mas mesmo assim foram atravessar. Quando a água estava dando na cintura do que estava na frente. Ele disse: por aqui não vai dá! Será que não tem outro caminho? Ao invés do amigo de detrás responder, quem respondeu foi o morto. Quando eu era vivo o rodeio era lá por cima. Os dois assustados deixaram a rede com o corpo cair no riacho e deram na canela deixando o corpo que estava vivo consumar a profecia que ele mesmo pediu para se realizar.
ESTÓRIA DA MINHA TERRA
Várias pessoas idôneas nascidas e criadas no velho Pilão Arcado me contaram muitas estórias. Talvez mistérios ou fantasias vividas por essas pessoas. Nas poucas recordações que tenho, não procurei recorrer muitas pesquisas, maioria de tudo que está escrito são fatos vividos por mim. São coisas que nos meus tempos de criança presenciei, mas não tenho recordação do vapor encantado, do cavaleiro misterioso, do compadre nego d’água nem nunca vi lobisomem. Porém, muitos afirmam ou afirmaram terem visto e com muita franqueza e veemência, sem titubiar e mais, não admitem que alguém diga ao contrário.
A lenda o vapor encantado não foi só vista e propalada pelos pilãoarcadenses, mas, por todos os ribeirinhos a começar da cidade de Pirapora até o seu desaguar no mar não tenha uma única cidade da borda do lago que nela não se encontre um antigo testemunho das luminosidades do vapor encantado. No Pilão Velho se avistava na ponta ilha aquela coisa mais linda em direção ao porto do cais. Às vezes as pessoas não davam importância achando que era um vapor de verdade, só se dava conta no outro dia que não tinha noticia da chegada do vapor, outras vezes quando chegava à casa que não ouvia o seu apito que era de costume, só aí se dava por conta do mistério. O vapor encantado passava no Taquarí e o povo de lá no outro dia perguntava ao povo da sede pelas novidades do vapor se alguém tinha chegado, se alguém tinha partido e o povo da sede não sabia de vapor nenhum. Passava pelas Intans e o povo das piranhas não o via. Passava defronte ao serrotinho e o povo da sede via suas luzes, sua beleza, mas não os via a chegada ao porto. Encanto das águas que nos encantavam. Maravilhosas luminosidades que se transformaram em outras luzes e em energias com a construção da barragem de Sobradinho. Luminosidades que se apagaram para ascender centenas de milhares de escuridões, mas, ficarão acesas nas mentes daqueles que continuam acesos.
NEGO D’AGUA
O compadre nego d’água. Era chamado de “compadre” para não contrariar. Nego d’água gostava de ficar pegando um solzinho em cima de uma ingazeira ou outra árvore qualquer tomada pela enchente ficando apenas com os galhos de fora. Numa certa ocasião o meu irmão Manoel estava na ilha com o Sr. Anísio Botelho, um amigo da nossa família. Ele tomando banho, nadando na beira do rio e o velho lhe observando. Quando o velho distraído olhou para a árvore percebeu que lá havia um compadre nego d’água que estava encantando e encarando o menino, fazendo boca de riso para ele. Ele que tinha apenas uns oito anos de idade também estava a sorrir para o compadre, naturalmente pensando que ali fosse outra criança como ele. Sorte é que o velho estava bem ligado naquela sena, quando menos esperava logo após um bom tempo o compadre caiu na água e as suas maretas eram vindas na direção do menino. O velho se apressou e tirou o menino da água imediatamente, pois, ele percebeu que o nego d’água vinha naquela direção para levar o menino pra o fundo das águas.
O menino cresceu, ficou homem e nunca esqueceu o compadre nego d’água. Testemunho ocular da existência dessa lenda. Manoel Dias de Souza, soldado do corpo de bombeiros de BH, nasceu e se criou até os dezoito anos de idade no velho Pilão Arcado, mas, assim como Manoel, existiram diversas pessoas que tiveram a mesma oportunidade de conhecer esse bicho. Muitos dos que viram ainda se encontram vivos, mas, quando se fala que poderia ser uma lontra ou coisa parecida eles não concordam nem com uma faca na garganta.
CAVALEIRO MISTERIOSO DA VELHA CIDADE.
Noites de muitos arrepios eram aquelas noites em que o cavaleiro misterioso tinia os cascos do seu cavalo no calçamento nas mediações da rua do meio do Pilão Velho. Ouvia-se, mas, ninguém se levantava para saber quem era. Imaginavam ser um desordeiro, mas não poderia ser, pois o desordeiro não causaria tanto medo em quem estava acomodado dentro do seu lar. Por outro lado o desordeiro não teria tanto sigilo para se manter ocultado por todo tempo, um dia se descobriria o mistério. Porém o cavaleiro misterioso troteou da ponta da rua de cima até a ponta da rua de baixo em alta velocidade todo tempo da quaresma até a semana santa, veloz como o vento a passar, deixando muitos atordoados e outros enfurecidos com seus cascos a zoar pra lá e pra cá sem ninguém conseguir ver nada. Uma, porque aqueles mais corajosos quando saiam para observar não dava mais tempo era em vão e outros que olhavam pelo buraco da fechadura diziam que o bicho era invisível só se ouvia os cascos zoar.
Certifico que os trotes do cavalo existiam. Certifico também que o medo das pessoas era bem maior.
Porem, depois da barragem o cavaleiro misterioso ninguém sabe ninguém viu, ou foi trotar em outro lugar ou as águas do “Velho Chico” o cobriu.
HISTÓRIAS QUE ACONTECERAM.
Daniel um cidadão que apareceu no Pilão Velho, não tenho conhecimento dos seus antecessores, pai, mãe e irmãos. Conheci já casado, mas, os mais idosos conheceram sendo criado por dona Sininha de Guiomar, a mesma a conheci, pessoa muito boa, bem conceituada, acolhedora e generosa. Chegando lá muito novo a vocação que tinha era somente para ser pescador, pouco gostava de trabalhar em outra atividade. Dona Sininha muito lhe aconselhava, porém ele era do tipo acomodado, tudo estava a mil maravilhas. Dentro do seu barco tendo rede e linha para pescar estava tudo beleza. Numa certa ocasião inquiriu uma cabaça em uma corda com dois anzóis iscados com filhotes de piaus e soltou ao lado da correnteza da pedra do remanso, não demorou muito para um surubim aproximadamente de uns sete palmos caí na armadilha metendo o maior medo em Daniel. Daniel começou a acolher-lo puxando a corda para dentro do seu barquinho, naquela briga danada, Daniel puxava para fora da água e o peixe com toda força puxava para dentro, teve um momento que o peixe jogou Daniel dentro d’água e o barco se afastando rio abaixo sem direção, por sorte de Daniel, Antonio Paes Landim estava no porto dos degraus que foi tomar um banho e ficou a observar todo o movimento. Mas, quando viu que o peixe ia matar Daniel afogado já bem morto de cansado, Antonio nadou em direção ao barco, tomou sua direção, remou até onde estava Daniel e o socorreu colocando no seu barquinho já bem fraco. Antonio mais descansado fisgou o surubim que já estava bem cansado, remou na direção do seco salvando a vida de Daniel e ajudando pescar o enorme peixe. Depois de tudo, Antonio lhe fala: - Daniel me venda um quilo desse peixe! Ele respondeu: - Antonio. Não posso não, já tá todo encomendado.
INTELIGENCIA DE UM DELEGADO
No tempo que virgindade tinha valor era caso de polícia em nossa terra. Na velha cidade Pilão Arcado, havia um delegado que segundo ele, tinha o “livro da verdade”. Quando um rapaz desonrava e não queria se casar, o pai da moça o levava na delegacia para forçar o casamento na presença do delegado, mas o rapaz negava o tempo inteiro, não fui eu, não fui eu, não fui eu; ao mesmo tempo a moça dizia: foi você, foi você, foi você. O delegado fazia a pergunta e ficava ouvindo a discussão dos dois, depois de algumas horas de discussão o delegado dizia: “é não sabe” não tem jeito não, vai ser obrigado eu recorrer o livro da verdade. Dizia ele que aquele que colocasse a mão em cima do livro o livro acusava se estava mentindo ou falando a verdade. Isso acontecia com o homem que fugia da verdade como também com a mulher, havia mulher que queria se casar e inventava que o rapaz tinha mexido com ela, ou seja: lhe desonrado. Desta feita, a moça era quem estava acusando o rapaz, doida por casar com ele. O delegado disse: vamos moça, coloque sua mão aqui encima do livro da verdade. Ela respondeu: Deus me livre! Não tem quem me faça colocar minha mão aí. Neste exato momento o delegado dava seu parecer dizendo: você está livre rapaz, não está devendo nada para esta moça, vá cuidar de sua vida.
De outra vez um de seus afilhados engravidou uma moça e já estava no porto das barcas para viajar para Xique-Xique. O delegado recebeu a queixa e enviou imediatamente um policial à sua captura, esse agiu com agilidade e firmeza, trazendo no ato o referido afilhado para ser ouvido na delegacia onde já se encontrava a moça prejudicada e seus pais. Porém, quando o rapaz foi chegando, logo, logo foi apelando. “Meu padrinho, o senhor que é meu padrinho, fazer isso comigo” - o delegado respondeu: “é não sabe” realmente eu sou seu padrinho, mas delegacia não é sua madrinha, você vai ter é que casar com a filha alheia e assumir seu filho. O casamento foi feito na mesma hora na presença do Juiz de Paz que ali se encontrava a convite do delegado.
Em outra ocorrência o rapaz insistia que nada devia, e a moça dizia com toda franqueza que ele era o devedor. O delegado procurou a moça - você tem alguma prova que eu possa trazer até aqui na delegacia? - A moça lhe respondeu: lá só tinha uma pedra onde a gente cometeu o crime, senhor delegado. - O delegado disse para ela, vá minha filha e me traga essa pedra até aqui. Porém quem respondeu ao delegado foi o rapaz. “Ou, não faz nem medo ela poder com essa pedra”. Aí o delegado no mesmo momento disse: não precisa da pedra mais não minha filha, ele já confessou o crime e vai ter que pagar agora mesmo, olhava para o escrivão e mandava buscar o Juiz de paz e tudo saía resolvido na forma da lei. Desse modo a justiça funcionava com inteligência e sabedoria na Velha cidade.
Numa ocasião anterior a essa atuou outro delegado que não tinha o mesmo discernimento. Além de delegado tinha em mãos o destino da política pilãoarcadense e atuava com muita arrogância. Era como se fosse o dono da cidade. Seu nome era Alírio Lins. Todas as noites como não havia televisão e nem outra atração, tanto os mais pobres como os mais importantes o destino era reunirem na calçada para dialogar sobre assuntos da política local e diversos outros. Certa feita a casa do referido delegado foi tomada por três influentes cidadãos. Um dos quais carregava na algibeira uma latinha contendo diversas peças de ouro, ou seja: jóias valiosas, mas se achando distraído deixou cair no chão de volta pra casa. Porém um dos componentes necessitou de fazer uma viagem de canoa, acordando muito cedo encontrou o tal tesouro reconhecendo que pertencia um dos amigos, colocou na sua mala e seguiu viagem. Dia seguinte o dono do tesouro se dirigiu até a residência do senhor Alírio o delegado e perguntou: Alírio não ficou uma latinha minha por aqui não? – Ele respondeu: Não se ficasse tava em suas mãos, isso foi bem seu empregado que carregou! E o empregado que ele tinha era um pobre carregador de água por nome de Louro Cavalo inclusive não batia muito bem das faculdades mentais, mas não teve perdão foi intimado a prestar depoimento e em seguida ficou logo no xadrez sendo torturado para dizer o que não sabia. Mas de tanta chicotada,
acabou assumindo o crime, naturalmente para vê se diminuía a tortura. O soldado perguntava: onde você colocou a latinha, Louro? –Louro respondia: tá na pedra do remanso. Levara ele até lá e colocara pra mergulhar para dá conta do tal tesouro, mergulhava até doer os ouvidos. Não achava porque lá não estava e o chicote arrochava no lombo de Louro e de novo a pergunta: onde está a latinha, Louro? – Ele respondia: tá lá no cruzeiro. Levara até lá e Louro virava pedra, cavava buraco e nada da latinha, chicote nas costa de Louro e de novo a pergunta: que dê a latinha, Louro? - Louro respondia: tá no porto dos vapores. Levara o Louro novamente. Já no terceiro dia chegara de volta à cidade o amigo que achou o tesouro e ao ancorar seu barco no porto perguntou pelas novidades, disseram: só Louro cavalo que tá com três dias na pisa pra da conta de uma latinha de jóia que roubou do patrão. Esse por sua vez se preocupou demais, correu depressa até a casa do delegado e contou toda história, aí trouxeram Louro Cavalo para pedir desculpas, o pobre coitado com as costas toda empolada, mas desculpou na hora a todos, aí um dos soldados se sentindo culpado também disse: Louro por que você ficava mentindo, dizendo que tava num canto e noutro? – Louro respondeu: é porque seu Alírio tava de propósito comigo e eu tava de propósito com ele.
LUNGA DE NOSSA TERRA
Toda terra tem seu Lunga e Pilão Velho não foi diferente. Lá havia um homem por nome Anízio. Comerciante, meio rústico, respondão e enjoado. No momento em que colocava sua vitrola para tocar suas valsas e outras músicas do seu gênero, a mocinha que começasse a dançar ele logo repreendia dizendo: não estou fazendo festa, pode parar. Se a mesma insistisse ele desligava a vitrola. Se algum rapaz se aproximasse do balcão de madeira e fizesse do mesmo mais um instrumento de percussão, ele o chamava atenção dizendo: pode parar. Você não está vendo que os instrumentos estão completos! Não comprei vitrola pra fazer cabaré, se alguém insistisse, ele mandava sair do local ou desligava o som.
Anízio, quando um freguês chegava ao seu comercio para comprar alguma coisa e quando dizia: seu Anízio tem sandália cariri ou havaiana? - Ele respondia: são dez cruzeiros, você quer? Outras vezes as pessoas ficavam pegando no produto tipo, olhando ou apalpando e ele em seguida tomava o objeto das mãos das pessoas e dizia: você não quer comprar nada não, tá querendo é ver se tem defeito, e aí não vendia mais nada naquele dia aquela pessoa.
Inventaram uma bala por nome de bala xibiu. Como ele mal sabia ler, não viu que a bala tinha esse nome. Toda hora chegava um e dizia: seu Anízio tem bombom xibiu? Ele despachava meio desconfiado, cheio de cisma e nada dizia. Mas, a procura era muito grande porque alguém percebeu que ele não gostava do nome da bala e até jurou pra ele mesmo na presença de um amigo de não comprar mais essa tal bala para revender, pois comprou enganado. As balas acabaram, mas continuou sendo procuradas, especialmente pelos malandros da cidade que já sabiam da sua ira. Quando ele já cheio daquilo, estressado e irritado, apareceu um menino enviado pelos maiores e perguntou: seu Anízio tem bala xibiu? - Anízio respondeu: tem deixe-me ver o dinheiro! O menino deu as moedas nas mãos de Anízio que entendeu que para servir de exemplo e parar com aquela procura atirou-as no meio da rua e ainda deu uns coques no referido menino mandando que chamasse o seu pai para ele se vingar melhor.
Seu Anízio morava defronte a uma praça que havia vários bancos de cimento onde os namorados se curtiam no escurinho das noites sem luar ou até mesmo com luar. No começo quando alguém conhecido dele namorava lá em frente, ele levava ao conhecimento dos pais. Mas, os pais não davam muita importância ao que ele dizia. Quando ele percebia que as mesmas pessoas estavam lá se encontrando todas as noites, tomava séria providencia, a exemplo de ensopar os bancos de graxa e óleo diesel queimado, aqueles que ainda não sabiam da lambuza durante a noite sairiam todos marcados de roupas perdidas enraivados e sem nada poder fazer, naquele tempo os mais novos respeitavam os idosos e não se ousava a falar uma palavra mesmo com a razão.
Anízio tinha suas ignorâncias, mas era um cidadão de bem. Respeitado, se tornou um grande negociante iniciando sua vida trabalhando como pedreiro nos tempos de mais jovem. Ignorava a modernidade. Quando o povo começou a se vestir melhor depois da calça lee, ele não faltava o que falar. – “tá todo mundo rico, antigamente se distinguia o pobre do rico pelo vestir, de um saco de açúcar se fazia uma camisa, bastava abrir três buracos e botar a cabeça e os braços entre eles e estava feita sem precisar de costureiro, quando se tinha uma roupinha melhor não deixava acabar tão sedo enchendo-se de remendos por toda parte ficando sempre mais pesada e enfeitada. Hoje tá todo mundo no luxo, ninguém sabe mais quem é pobre e nem quem é rico”.
Seu Anízio era assim grosseiro, mas também tinha seus dias de humor. Mirinha era sua vizinha e muito antipática, mas respeitava muito seu Anízio. Naquela ocasião existiam os postes de ferro dos correios, os quais levavam as linhas do telegrafo, os mesmos quando se batia com uma pedra ou um pedacinho de ferro, dava um tinido muito forte, uma zoada que incomodava de verdade e dona Mirinha parecia se incomodar mais do que todo mundo, logo um dos referidos postes era na sua calçada defronte ao seu quarto de dormir. Ao passar um menino por nome de Urbano filho de Daniel em frente ao armazém de seu Anízio lhe pede uma bala doce, seu Anízio disse: só dou se você bater no poste de Mirinha como era conhecido. - Ele respondeu: não que Mirinha briga e vai dizer a meu pai. Seu Anízio disse: bate e se esconde aqui detrás da porta! - Urbano topou, pegou uma pedrinha e bateu diversas vezes e correu pra detrás da porta do armazém de seu Anízio, neste mesmo momento Mirinha saiu excomungando o batedor do poste, quando Anízio saiu de dentro do seu armazém muito sério e ela perguntou: seu Anízio quem bateu aqui neste poste? - Ele respondeu: Urbano de Daniel olhe aqui o vagabundo detrás da porta.
Anízio faleceu já na nova cidade, com péssima situação financeira vivendo de uma pequena aposentadoria. Faliu com o comércio simplesmente por ignorância de não querer acompanhar a inflação desenfreada depois da barragem de Sobradinho. O produto que ele vendia no Pilão Velho por 5,00 cruzeiros ele continuou vendendo aqui do mesmo preço enquanto as firmas vendiam de 20,00. Quando lhe reclamavam ele ainda dizia: eu vendo é de 5,00 estou ganhando, pois comprei de 2,00. Infelizmente sua ignorância e sem filhos para lhe cuidarem no final o fez com que o desconforto tomasse conta de sua vida até os seus últimos dias.
ANTONIO NERI
Antonio Neri foi o maior dançador de São Gonçalo daquela região. Era um homem bastante animado. As piruetas que ele fazia num brinquedo de São Gonçalo não tem coreógrafo hoje em dia que coloque em prática. Dos seus seguidores não existe nenhum com a mesma habilidade, o homem parecia ser um boneco ligado na tomada. Naquela época o povo sonhava muito com seus entes queridos pedindo pagamento de promessa a São Gonçalo, motivo bem óbvio para se realizar uma noitada em homenagem ao Santo, era um sonho atrás do outro, dá impressão que era pessoas criando sonhos para ver Antonio Neri dançar, pois nos dias de hoje os que já se foram não trouxeram mais nenhum sonho de São Gonçalo, quando aparece uma roda, é promessa realizada pelos vivos mesmos quando estão com vontade de fazer uma festa, porque São Gonçalo sempre acaba em festa.
Antonio Neri morava do outro lado do rio São Francisco no município de Sento Sé, mas estava sempre presente na cidade velha Pilão Arcado. Não era como seu Anízio porque era um homem brincalhão, muito divertido, mas não sabia ler e escrever. Trocava as palavras, falava palavra que não existiam e assim por diante. Numa certa ocasião ele chegou à cidade dizendo que o compadre dele tinha descoberto em sua fazenda uma mina de micróbios e que ia precisar de muitos trabalhadores para desplorar as terras e insprudi a serra com dilamite.
De outra vez a esposa dele estava com uma pequena infecção na garganta e lhe recomendaram tetraciclina e ele foi até a farmácia e pediu para o farmacêutico tremendale. Deixando o farmacêutico sem saída, mas lhe pedindo que retornasse até a sua casa e voltasse com o nome certo anotado.
Antonio Neri dizia que tinha duas coisas que ele não carregava opinião, com cachaça e com mulher. Depois de fazer várias juras de não beber mais acabou liberando de uma vez por todas o hábito de beber sua cachacinha. Bebia porque gostava e não via vantagem quando não bebia; com a mulher ele brigava, brigava e sempre ameaçava de largar, mas no dia que teve uma enorme briga, arrumou as trouxas e foi saindo porta a fora de casa. - A mulher lhe disse: Antonio Neri, você vai mesmo? – ele disse: vou não lhe agüento mais! - Ela repetiu, vai mesmo Antonio Neri? – Ele respondeu: eu não já disse que vou! – Na sua saída, já afastado do terreiro, a mulher levantou o vestido e disse Antonio Neri você vai me deixar, olhe para trás! - Quando Antonio Neri virou que viu o seu patrimônio ficando para trás disse: isso é mesmo uma miséria, é só mesmo o que me prende, como é que eu posso ir embora deixando o que eu mais gosto, voltou de repente e ficaram até que a morte o separasse e juntasse novamente.
O PREDOMINANTE ATRASO DE VIDA DO PILÃO VELHO
Na saúde por ouvir dizer ouve-se médicos e enfermeiros de plantão nas mediações do governo Juscelino Kubitschek a mais de cinqüenta anos. Nasci em cinqüenta e oito na mesma época desse funcionamento. Hoje para escrever minhas lembranças não me interessei de fazer qualquer tipo de pesquisa na comunidade em geral, mas dito por minha mãe que o pouco período de atuação foi excelente. Onde então morriam dezenas de crianças com varíola, coqueluche, sarampo e catapora foram praticamente erradicados na época, mas o período foi curto não me recordo nem das agulhadas em que levei, porém, foi daí que vieram as campanhas de incentivos a higienização e efetivamente prevenção para aquele povo desinformado: lavar as mãos constantemente, escovar os dentes, fazer latrina, ou seja, privadas nas casas das pessoas onde as mesmas costumavam defecar no serrote e limpar a bunda com uma pedra, papel grosso, sabugo de milho, folha de malva, etc. Mesmo depois em que eu fiquei adulto ainda conheci diversas casas sem privadas e o ritual era o caminho do serrote. As referidas privadas eram feitas da seguinte forma: cavava-se um buraco quadrado no chão, levantava as paredes do tipo uma fossa embaixo do chão e colocava-se uma laje com um buraco no meio, construía-se um pequeno espaço físico e estava feita a latrina para as necessidades fisiológicas. Aqueles que não podiam fazer com laje, faziam com folha de tábuas, numa certa ocasião uma senhora do outro lado do rio, município de Sento Sé em passeio a Pilão Velho teve a infelicidade de entrar numa dessas privadas de tábua e se deu mal. Uma das tábuas quebrou e a velha se atolou na merda até os peitos, deu um trabalho danado para o resgate dessa senhora que na hora que saiu jurou de pés juntos não voltar mais no lugar de um povo que guardava merda. Hoje em dia essas privadas são lembradas como privada tiro direto sem descarga, a privada tiro direto era grande proliferadora de baratas e causava um mau cheiro insuportável. O atraso era tão grande que o primeiro vaso sanitário que chegou ao Pilão Velho recebeu o nome de aparelho, essa relíquia inesquecível foi instalada na casa de Dª. Boneca Almeida a primeira residência da cidade a ter o referido aparelho, os pedreiros que lá trabalharam não sabiam nem como começar o assentamento, um dos serventes teve a ousadia de passar a mão no vaso e um pedreiro principiante lhe reclamou na hora, dizendo: deixe esse aparelho ai, isso não é coisa pra você! Isso é coisa da competência do mestre Joaquim. O servente saiu de mansinho bem desconfiado deixando o vaso lá no chão e ficou a observar que mistério tão grande tinha aquela coisa branquinha. Na hora que o mestre chegou trouxe régua, esquadro, prumo, bateu o nível e instalou o tão famoso e apreciado nobre aparelho para levar fezes todos os dias.
O atraso era imenso, na cidade não se achava nos armazéns quem vendesse papel higiênico, na prefeitura não faltava gente atrás de jornal velho ou qualquer tipo de papel, até nas construções se encomendava o saco de cimento depois de vazio; um amigo nosso por nome de Waldir quando o vapor passava entrava no banheiro do vapor, tirava a camisa e enrolava os rolos de papeis no corpo, vestia a camisa por cima e saía gordo com o papel higiênico debaixo da camisa. Usava, vendia ou trocava por cachaça. Numa certa ocasião um senhor se viu apertado numa noite sem luar e defecou encima de uma cascavel que por sorte dele a mesma não reagiu; outro senhor na hora de se limpar equivocou-se e ao invés de arrancar as folhas de malvas para se servir na higiene, usou as folhas de uma plantinha por nome de urtiga, essa por sua vez arde mais do que pimenta malagueta, o rapaz pulava e gritava sem parar até encontrar os barrancos do rio São Francisco para se aliviar dentro d’água. Muitos faziam suas necessidades na beira do rio facilitando desse modo a higienização. Infelizmente Pilão Arcado Velho não conheceu o progresso, contávamos com apenas o ensino fundamental, os que podiam financeiramente continuavam seus estudos em Remanso, Juazeiro, Xique Xique, Barra ou Salvador, uma cidade defronte ao rio São Francisco, sem água encanada e energia elétrica, a iluminação das ruas e casas quando às vezes acontecia de ter era através de um gerador velho o mesmo rolava mais tempo parado que em funcionamento e quando funcionava era no período de 18:00h. as 22:00h. Portanto, não havia nenhuma possibilidade de se ter um aparelho elétrico em casa, aliás, Pilão Velho se configurava uma cidade de muitos pobres. Contava-se nos dedos as pessoas que possuíam um fogão a gás ou uma geladeira também a gás ou a querosene. O fogão era feito de alvenaria com uma chapa de ferro centralizada e funcionava a lenha. Lenha que se buscava no serrado próximo da cidade, os que podiam financeiramente compravam e os que não podiam iam buscar, eu mesmo busquei muitas vezes, tanto que numa das vezes, larguei o machado no pé, o gume atingiu entre um dedo e outro causando enorme hemorragia que para coagular o remédio do momento foi estrume de jumento. Só Deus tendo misericórdia, hoje em dia ataca o tétano imediatamente. Chegando à cidade ainda com o pé sangrando, em vez do médico um carpinteiro amigo nosso encheu o corte do meu pé de verniz de madeira, parando de vez o sangramento e consecutivamente sarando.
Em tudo era uma enorme decadência. Conservação em frios não existia, carne e peixe conservavam-se no sal. Naquela época os donos de bar já vendiam cerveja sem ter aonde gelar, mas para diminuir a alta temperatura colocava-se em um caixote de madeira areia molhada com sal, enchia-se de cerveja onde fazia com que esfriasse um pouco mais diminuindo, portanto, o gosto horrível do purgante que é a cerveja quando está quente. A água para se beber era colocada em recipientes por nome de pote. O pote é feito de barro de louça queimado no fogo como uma cerâmica, do mesmo se faz a telha, alvenaria para construção e demais outros recipientes como panela de barro, moringa, também conhecida como quartinha para esfriar água. Essa água chegava até as residências através das pessoas que se disponibilizavam para buscarem no rio por um salário mensal ou diário nas casas dos que podiam pagar, os que não podiam os mesmos iam buscar-la. Os que tinham condição financeira pagavam um carregador de água, pagava um lenhador, lavadeira na beira do rio e uma engomadeira, sempre por comum quem lavava engomava, a engomadeira que era a mesma lavadeira para ganhar esse dinheiro tinha uma corrida maluca, além de passar o dia todo debaixo do sol escaldante batendo pano em pedra, no dia seguinte passava o dia inteiro de tontura por tanto soprar ferro à brasa para se manter quente e fazer o serviço bem feito, pois quando era mal feito a patroa devolvia para ser corrigido com tons desaforados, digo isso porque assistir de perto a minha querida mãe nessa enfadonha labuta para criar seus filhos.
O atraso era tão grande que tudo servia de novidade, uma lavadeira amiga de mina mãe achou no bolso da calça de um rapaz uma camisinha. Com muito segredo ela comentou com alguém sem muita certeza do que era aquilo, mas depois de se certificar guardou em um lugar bem seguro para vender por um bom dinheiro. Essa tal camisinha até nas farmácias se procurava mantendo todo segredo no ouvido do farmacêutico. Era tão desconhecida que a garotada quando achava uma nos barrancos do rio depois de um bom uso saia na maior alegria brincando de bola de assopro, sem saber que lugar a camisinha andou vestindo.
Na verdade o atraso era em geral, nas outras cidades também se ouvia falar dessas coisas, mas aqui eu registro o que conheci na minha cidade sem intuito de criticar, mas, sem tirar uma vírgula, pois o atraso estava principalmente em nossas mentes e não na falta das coisas que hoje temos. Há uns anos um pouco mais atrás ao meu entendimento, havia uma cultura muito boba. A criança que nascia podia até não ter uma fralda para vestir, um berço ou um cobertor, mas o pai não podia deixar de soltar uma porção de fogos. Felizmente essa cultura se acabou e eu até louvo ao autor do fim dessa falta de compreensão, pois no lugar dos fogos seria bem melhor preparar o enxoval do bebê que às vezes nascia e não tinha nem o açúcar para fazer um chá. Porém um cidadão por nome Dárcio, numa certa ocasião faltou incendiar a cidade com tanto fogos e o povo perguntava: quem ganhou neném? Quem ganhou neném? – Aí vinha a resposta: a cachorra de Dárcio, daí por diante a coisa serenou.
Em se tratando de precariedade recordo das grandes aflições das famílias e da comunidade geral quando a mulher estava nos dias de ganhar neném, a confiança estava mais em nossa Senhora do Parto do que nas mãos das parteiras. Tempo em que morriam uma grande leva de mulheres novas no momento do parto. As parteiras com certeza não deixaram de ajudar bastante, mas a falta do médico deixou muitos lares desamparados e filhos órfãos de mãe, triste lembrança com um lamentável registro. Porém, muitos ainda diziam como ainda há quem diga que é porque chegou à hora, Deus assim o quis, coisa desse tipo. Se, tem hora de morrer não precisa tomar remédio e nem tampouco de médico. A verdade é que hoje não se ver mais morrer de parto. Será que Deus tirou esse artigo do seu livro, morreu porque chegou a hora? – tenho certeza que esse artigo nunca ouve no livro de meu Deus. Deus é vida e realmente preparou nosso destino, mas um destino de vida, para vivermos com dignidade, com benéfica em abundancia, com amor, liberdade, partilhando de todas as coisas boas da vida. Vida prematura não faz parte do destino dado por meu Deus, mas dos resquícios dos envenenamentos das bombas, dos agrotóxicos, da genética hereditária dos nossos ancestrais e dos nossos próprios pecados. Deus fez a terra e eu a comparo com um enorme doce. Deus fez o homem e eu o comparo com um enxame de formiguinhas trabalhando noite e dia na disputa para ver quem mais destrói. Chego à conclusão que quanto mais vivemos mais pecamos. Quanto mais destruímos mais comprometemos a vida espiritual e material, não sei quando iremos compreender que a terra tem de ser cuidada e amada para começar a eternidade desde já.
DAS PEDRAS PARA AS CAATINGAS.
Assim aconteceu. Dos sonhos vividos com planejamentos formados, projetos memorizados num chão pavimentado de roxas e pedras, novos rumos tomaram, nos fizeram objetos de manuseios castraram nossos planos nos transferindo das pedras para as caatingas mesmo sendo para o bem de nosso povo foi grande a discordância sem que houvesse a resistência de mobilização, crendo e descrendo, triste de saudade e com medo da incógnita de um recomeço obscuro.
Trouxeram nosso povo para se adaptar numa cultura diferente com mais civilização. Em troca da represa nos deram uma cidade moderna embora cheia de falhas, luz hidráulica, água encanada e melhores estradas. Com o decorrer do tempo conquistamos o ensino do segundo grau. Somos gratos pelas boas ações da Alemanha na pessoa do nosso pároco Padre Guilherme, o qual Deus nos presenteou desde a mudança, além do seu trabalho social na instalação de milhares de cisternas aos mais necessitados do município, teve a preocupação no início da cidade de contratar médicos para atendimento aos carentes, fundar posto de saúde de primeiros socorros e com medicamentos mais baratos, a instalação da creche do povoado Feijão e o excelente funcionamento da creche da sede do município, comportando aproximadamente trezentas crianças carentes, passando ultimamente a ser escola, mas com o mesmo funcionamento de creche, instalou a biblioteca pública Dom José Geraldo com bastantes livros e computadores conectados à internet para dá suporte aos estudantes de toda comunidade. Padre Guilherme foi o primeiro e talvez único cidadão a combater a hanseníase que se alastrava no município de Pilão Arcado. Implantou as Pastorais, como: Pastoral da Criança, Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Pastoral da Mulher Marginalizada, Pastoral do Idoso, etc. Com a teologia da libertação vem conseguindo tirar traves dos olhos e desprender línguas de muita gente com seu trabalho de conscientização mostrando ao cidadão o verdadeiro caminho. Padre Guilherme é o filho que Pilão Arcado não teve para administrar o seu destino, mas o filho que se fez adotivo para incentivar os seus filhos a se libertarem.
Um ser que eu desejava ser.
Em um só grito entoava
Som do nosso povo que chorava
Com saudade do seu chão
Até o velho Chico aumentava
Pelas lágrimas que rolavam
Do rosto de cada irmão
Gritava nosso povo ribeirinho
Perdidos a procura do caminho
Desnorteados sem palavras pra dizer
Sem o conforto do calor do velho ninho
Ficando para trás o seu ranchinho
Amargurados sem saber o que fazer.
E foi aí que um anjo bom apareceu
Pra ser irmão ao nosso povo ofereceu
Amenizando o inflar de nossas mágoas
Setenta e nove quando o rio mais encheu
Desde então nunca mais aconteceu
Altas enchentes do brotar de nossas lágrimas.
Enxugadas com a estola da verdade
Com a mensagem de amor e caridade
No ensinamento do viver em comunhão
Forte e autentico com perfil, fraternidade
Compartilhando o seu pouco com igualdade
Padre Guilherme é pra sempre nosso irmão.
O mensageiro irmão em cristo aqui chegou
E logo, logo com dois anos se ordenou
Se fez família ao povo desta cidade
Se adaptando por aqui se acostumou
E como padre trinta anos já gozou
No semear e cultivar a liberdade.
Foi notório o avanço que houve no Brasil depois da barragem de Sobradinho em termo de tecnologia na ciência, nos meios de comunicações e na educação. Com isso nosso povo vem sendo contemplados e saindo cada vez mais do atraso. Ainda temos um grande percentual de analfabetismo e neste sentido não podemos procurar culpados por parte dos governantes, as escolas estão funcionando desde a sede às estremas do município, ainda que não seja de boa qualidade, mas existe o funcionamento, porém muitos não se tocaram até hoje que é através da educação que encontramos a chave do sucesso, o caminho perfeito para rodar a maçaneta da felicidade. Pilão Arcado Novo não nos oferece fluentes perspectivas de vida, nosso comodismo nos trava por falta de conhecimento na disputa pela competitividade com os mais preparados tanto no liberal como no mercado de trabalho empregatício, não nos adequamos à nova realidade do mundo globalizado, estamos usufruindo da informatização e não nos locupletamos. A riqueza é o saber e muitos ainda esperam a felicidade sem ir à escola. Aqui chegamos em 1978 sem ter a quem cobrar nada, pois o prefeito não foi eleito pelo povo. O município estava em área de segurança e o governo Federal através dos governantes do estado quem nomeava nomeando, portanto, Dr. Francisco Queiroz por um período e João Ribeiro por outro até 1985 com a realização da eleição elegendo o Sr. Heraldo Mangueira, primeiro prefeito eleito na nova cidade em um mandato tampão de três anos, governando de 1986 a 1988. Heraldo Mangueira, nascido e criado no povoado de Nova Holanda, foi vereador do município e prefeito por três anos, durante seu mandato não tenho conhecimento da sua presença na prefeitura nem me recordo de uma ação concreta junto à comunidade. Segundo prefeito eleito foi José Lauro. Terceiro Agesislau (Lauzinho), em seguida José Lauro novamente por dois mandatos até 2004, apresentando Wagner que foi cassado por improbidade eleitoral, havendo uma eleição prematura em 2006 beneficiando o candidato da oposição Roberto Martins, sendo uma administração desastrosa em um mandato tampão de dois anos deixando a desejar e perdendo em seguida a eleição. Esses cinco cidadãos eleito pelo povo, evidentemente que deixaram alguma recordação, mas não fizeram do seu povo um povo independente na implantação de projeto que pudesse gerar emprego e renda e tirar da marginalidade muitos pais de famílias. Ao contrário se prejudicaram fazendo o clientelismo e enchendo a prefeitura de funcionários fugindo dos direitos patronais sem ter como suportar depois da lei de responsabilidade e desse modo refletindo duramente no último prefeito eleito Joãozinho Porfírio, que tenta acertar de todas as maneiras e vem encontrando inúmeras dificuldades com o número elevado de funcionário, o vício do clientelismo, pagamento dos precatórios e pagamento da dívida antiga com o INSS, seu mandato está em andamento, creio que depois de tirar o município deste buraco com responsabilidade certamente se encontrará o caminho para a saída.